quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A QVT e os trabalhadores noturnos - Por Márcio José Sant Ângelo para o RH.com.br


Nesse mundo tão turbulento, onde a competitividade e a velocidade imperam, nos deparamos com um cenário que se torna cada vez mais comum e rotineiro na maioria das empresas e organizações: o trabalho dividido em turnos. São inúmeras as empresas que já adotam tais medidas, pois se vêem na necessidade de aumentar a produção e conseguirem atingir as metas e as demandas do mercado. Assim, a única saída são essas jornadas de trabalho que vão contra o relógio biológico do organismo. Paulo Dalgalarrondo nos diz que há uma grande variabilidade individual em relação ao padrão e a necessidade de sono. Algumas pessoas sentem-se descansadas e ativas durante o dia dormindo cinco horas por noite; outros já necessitam de dez a doze horas de sono para se sentirem bem. (Dalgalarrondo, 2000).

Estudos referentes à troca do dia pela noite são abordados pela Cronobiologia, que estuda os ritmos biológicos que se repetem regularmente, como a alternância entre a vigília e o sono. Pesquisas nessa área revelam um encadeamento interno entre os ritmos, essencial à condição de saúde. Quando uma pessoa trabalha à noite, ela passa a dormir de dia, mas outros ritmos biológicos (o de temperatura, por exemplo) não se modificam instantaneamente, o que leva à chamada dessincronização interna. Isso se manifesta quando a pessoa tenta dormir de dia, mas se sente alerta: na realidade, ela precisa repousar no momento em que seu corpo se prepara para a vigília (Minors & WATHERHOUSE, 1981, ap. Lúcia Rotenberg et all, [ScIELO], 2003).

É nesse contexto, que desenvolvi uma pesquisa em uma empresa no setor de cerâmica, intitulada de CONCEITOS DE QUALIDADE DE VIDA ENTRE OS COLABORADORES NOTURNOS, onde foram pesquisados vinte e quatro colaboradores de uma determinada seção, que trabalham em três turnos fixos, sem revezamento: manhã, tarde e noite.

Quanto aos instrumentos, foi utilizado um questionário elaborado pelo próprio pesquisador, com trinta perguntas relativas à percepção da qualidade de vida dos colaboradores, dentro e fora do âmbito profissional. Além do questionário, também foram realizadas observações sistemáticas, focalizando pontos como ritmo de trabalho, relacionamento entre os colaboradores, grau de congruência com o trabalho e relacionamento com os seus colegas.

Quanto aos resultados, pude notar que, os colaboradores que exerciam as suas tarefas no turno matutino apresentam um grau de congruência maior com o seu trabalho, além de uma Qualidade de Vida superior aos colegas dos turnos vespertino e noturno. Com relação aos trabalhadores vespertinos, há uma discrepância com relação aos dados obtidos com os funcionários do turno da manhã, pois dizem já começar o dia cansado, sem motivação e energia, além de se queixarem também da demora com que o tempo passa nesse horário. A maioria deles não está satisfeita com esse turno, embora alguns tenham citado que esses horários lhes proporcionam mais liberdade, como poder ir ao banco de manhã, a uma loja ou até mesmo, ir a uma festa à noite, sem se preocupar em acordar de manhã.
Já os trabalhadores noturnos, apesar da afirmação de estarem satisfeitos com o horário, citam que só o toleram em prol da ajuda financeira proporcionada pelo adicional noturno. Esses funcionários, segundo os resultados da pesquisa, demonstram um nítido cansaço (físico e mental) e tais sintomas transcendem da esfera organizacional para a pessoal, afetando a sua vida afetiva, familiar e social.
Tais indivíduos também apresentaram uma péssima qualidade do sono, onde segundo os dados, os mesmos conseguem dormir em média apenas seis horas e vinte minutos por dia, afetando consideravelmente o seu desempenho, enquanto funcionários e enquanto indivíduos. Alguns deles ainda citam que, quando podem dormir mais, nunca parece ser o suficiente. Eles experimentam sinais de estafa, não conseguindo relaxar ou descansar, investindo pouco ou nenhuma energia no ambiente social, como família, lazer e amigos.

Analisando tais dados, pude notar que o turno que tem um melhor relacionamento entre os colaboradores é o turno da manhã, além de que, os mesmos se consideram mais felizes daqueles que trabalham no turno vespertino, exibindo menos cansaço e impaciência do que os outros dois horários, apontando que, dos três turnos pesquisados, são eles quem têm uma melhor qualidade de vida. Os colaboradores que mais se sentem cansados são o do turno da tarde, mais até que os do turno da noite, onde também citam com unanimidade, uma aversão a esse horário, destacando ainda que, se pudessem, trocariam pelo turno da manhã.

Apesar do turno da tarde exibir mais sintomas de cansaço, é no turno da noite onde os colaboradores se sentem mais nervosos, ansiosos, impacientes e esgotados dentro da empresa. Nesse contexto, posso inferir que tais horários estáticos, em longo prazo, podem trazer danos, biopsicossociais ao trabalhador, (principalmente aqueles que trocam o dia pela noite), e possíveis alterações comportamentais como impaciência e ansiedade.

Porém, acredito que não adotar tais horários seja uma heresia em um momento onde se requer rapidez, qualidade e agilidade dos serviços e produtos que se exigem das empresas. Nosso mundo, com sua voracidade por resultados, obriga-nos a adotar atitudes e posturas pouco convencionais ou até mesmo nunca imaginadas até então, e tenho consciência que todo ser humano deve aprender a se adaptar a todo evento novo, pois isso é um sinal de desenvolvimento.

Todavia, não podemos permitir que seres humanos prejudiquem suas vidas sociais e afetivas, comprometam a saúde em prol de horários e condições de trabalhos estáticas e inexoráveis, pois isso também seria uma hipocrisia muito grande, tanto por parte da sociedade, quanto por parte dos empresários.

Acredito que devemos refletir sobre isso...

Fonte: http://www.rh.com.br/Portal/Qualidade_de_Vida/Artigo/4001/a-qvt-e-os-trabalhadores-noturnos.html